Não durmo, nem espero dormir.
Nem na morte espero dormir.
    Espera-me uma insônia da largura dos astros,
   E um bocejo inútil do comprimento do mundo.   
    Não durmo; não posso ler quando acordo de noite,
   Não posso escrever quando acordo de noite,
   Não posso pensar quando acordo de noite —
   Meu Deus, nem posso sonhar quando acordo de noite!   
Ah, o ópio de ser outra pessoa qualquer!
    Não durmo, jazo, cadáver acordado, sentindo,
   E o meu sentimento é um pensamento vazio.
   Passam por mim, transtornadas, coisas que me sucederam
   — Todas aquelas de que me arrependo e me culpo;
   Passam por mim, transtornadas, coisas que me não sucederam
   — Todas aquelas de que me arrependo e me culpo;
   Passam por mim, transtornadas, coisas que não são nada,
   E até dessas me arrependo, me culpo, e não durmo.  
(...)
    Tenho sono, não durmo, sinto e não sei em que sentir.
   Sou uma sensação sem pessoa correspondente,
   Uma abstração de autoconsciência sem de quê,
   Salvo o necessário para sentir consciência,
   Salvo — sei lá salvo o quê...   
    Não durmo.  Não durmo.  Não durmo.
   Que grande sono em toda a cabeça e em cima dos olhos e na alma!
   Que grande sono em tudo exceto no poder dormir!
(...)
Paz em toda a Natureza.
A Humanidade repousa e esquece as suas amarguras.
Exatamente.
A Humanidade esquece as suas alegrias e amarguras.
Costuma dizer-se isto.
A Humanidade esquece, sim, a Humanidade esquece,
Mas mesmo acordada a Humanidade esquece.
Exatamente. Mas não durmo.
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