XVIII
[...] eu mesmo 
Sinto esse frio coração em mim  
Admirado de ser um coração 
Tão frio está. 
XXI
— Amo como o amor ama. 
Não sei razão pra amar-te mais que amar-te. 
Que queres que te diga mais que te amo, 
Se o que quero dizer-te é que te amo? 
..................................................................... 
Quando te falo, dói-me que respondas 
Ao que te digo e não ao meu amor. 
..................................................................... 
Ah! não perguntes nada; antes me fala 
De tal maneira, que, se eu fora surda, 
Te ouvisse todo com o coração. 
Se te vejo não sei quem sou: eu amo. 
Se me faltas [...] 
... Mas tu fazes, amor, por me faltares 
Mesmo estando comigo, pois perguntas — 
Quando é amar que deves.  Se não amas, 
Mostra-te indiferente, ou não me queiras, 
Mas tu és como nunca ninguém foi, 
Pois procuras o amor pra não amar, 
E, se me buscas, é como se eu só fosse 
Alguém pra te falar de quem tu amas. 
..................................................................... 
Quando te vi amei-te já muito antes: 
Tornei a achar-te quando te encontrei. 
Nasci pra ti antes de haver o mundo. 
Não há cousa feliz ou hora alegre 
Que eu tenha tido pela vida fora, 
Que o não fosse porque te previa, 
Porque dormias nela tu futuro. 
..................................................................... 
E eu soube-o só depois, quando te vi, 
E tive para mim melhor sentido, 
E o meu passado foi como uma 'strada 
Iluminada pela frente, quando 
O carro com lanternas vira a curva 
Do caminho e já a noite é toda humana. 
..................................................................... 
Quando eu era pequena, sinto que eu 
Amava-te já longe, mas de longe... 
..................................................................... 
Amor, diz qualquer cousa que eu te sinta! 
— Compreendo-te tanto que não sinto, 
Oh coração exterior ao meu! 
Fatalidade, filha do destino 
E das leis que há no fundo deste mundo! 
Que és tu a mim que eu compreenda ao ponto 
De o sentir...? 
..................................................................... 
 
XXII
Pra que te falar?  Ninguém me irmana 
Os pensamentos na compreensão. 
Sou só por ser supremo, e tudo em mim 
É maior.
Fernando Pessoa - Primeiro Fausto - Terceiro Tema: Da Falência do Prazer e do Amor
quinta-feira, 2 de outubro de 2008
Assinar:
Postar comentários (Atom)
4 comentários:
Muito belo isso tudo.
esse poema do fausto é fantástico... vale a pena ler todo.
bom que gostou. =)
**Quando te vi amei-te já muito antes:
Tornei a achar-te quando te encontrei.
Nasci pra ti antes de haver o mundo.
Não há cousa feliz ou hora alegre
Que eu tenha tido pela vida fora,
Que o não fosse porque te previa**
eu, com minhas manias, sabia isso de cor...rs
foi bom reler isso.
beijoca!
sabia essa parte de cor?
êeee, querida... sintomático!
rsrsrsrsrsrsrs
mas é mesmo fantástico...
beijoca!
Postar um comentário