quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Da criança, da experiência e da esperança*

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Nós porém conhecemos algo que nenhuma experiência pode nos proporcionar ou tirar: sabemos que existe a verdade, ainda que tudo o que foi pensado até agora seja equivocado; sabemos que a fidelidade precisa ser sustentada, ainda que ninguém a sustentou até agora. Nenhuma experiência pode nos privar dessa vontade. Mas será que em um ponto os pais teriam razão com seus gestos cansados e sua desesperança arrogante? É necessário que o objeto de nossa experiência seja sempre triste? Não podemos fundar a coragem e o sentido senão naquilo que não pode ser experimentado por nós? Neste caso então o espírito seria livre, mas a vida o desacreditaria constantemente, pois como soma das experiências ela própria seria inconsolável.

Agora, porém, não aceitamos mais tais questões. Por acaso guiamos a vida daqueles que ignoram o espírito, cujo Eu inerte é arremessado pela vida como por ondas que se quebram contra rochedos? Não. Pois cada uma de nossas experiências possui efetivamente um conteúdo, conteúdo que ela recebe de nosso próprio espírito. O indivíduo imprudente acomoda-se no erro. “Nunca encontrarás a verdade”, diz ele ao pesquisador, “eu já passei por isso”. Mas para o pesquisador o erro é apenas um novo alento para encontrar a verdade (Espinosa). Somente para o indivíduo insensível a experiência é carente de sentido e de imaginação. Talvez ela possa ser dolorosa para aquele que a persegue, mas dificilmente ela o levará ao desespero.

(...)

Nada é mais odioso ao filisteu que os “sonhos da juventude”. (E amiúde o sentimentalismo é a camuflagem desse ódio.) Pois o que lhe surgia nesses sonhos era a voz do espírito, que também o convocou um dia, como a todos os homens. A juventude lhe é uma lembrança incômoda do espírito, por isso ele a combate. O filisteu apresenta à juventude aquela experiência cinzenta e poderosa, aconselha o jovem a zombar de si mesmo. Sobretudo porque “vivenciar” sem o espírito é confortável, embora funesto.

Mais uma vez: nós conhecemos outra experiência; esta pode ser hostil ao espírito e aniquilar muitos sonhos que florescem. Todavia é o que existe de mais belo, intocável e inefável, pois ela jamais será privada do espírito se nós permanecermos jovens. (...)

Walter Benjamin. “Experiência”. In: Reflexões: A criança, o brinquedo, a educação.
* título livre

4 comentários:

Adair Carvalhais Júnior disse...

Esta idéia da experiencia em Benjamin tem um alcance enorme.
Eu ainda preciso entender muito...

Moacy Cirne disse...

Benjamin, Quino, Khlébnikov/Augusto, Ana Cristina, Lau, Pessoa, Schulz: o seu blogue é biscoito fino. Cheguei aqui através do Suave Coisa. Cheguei e Gostei. Um abraço.

Bee-a disse...

é difícil dizer o que é a experiência em Benjamin, mas temos alguns rastros do que ela não é... no caso desse texto, ele mostra como é equivocado tomar a experiência como algo do tempo linear, aquela vivência autoritária e fatalista a que muitos adultos se referem ao dizer a um jovem ou criança "não tente, é inútil". a experiência humana é sempre surpreendente e há que se ter coragem para mergulhar nela. por isso eu gostei tanto desse texto, adair.

Bee-a disse...

muito obrigada, moacir, fico feliz que tenha gostado do meu blog. o que encontra aqui são fragmentos de mim...
a nana, do suave coisa, é uma amiga muito querida; bom vc ter vindo por ela. abraço!